#08 - A melhor coisa que aconteceu com o ‘XCX World’ foi ele não ter sido lançado
A história do “XCX World”, álbum que foi descartado por Charli XCX
Na newsletter de hoje:
1. Descubra
um documentário: Kokomo City (2023), de D. Smith
… Ontem comemorou-se o Dia Nacional da Visibilidade Trans, e eu acho que esse documentário, disponível na MUBI, é a oportunidade perfeita para você se aprofundar no assunto. A produção acompanha quatro mulheres trans negras que trabalham como profissionais do sexo nos Estados Unidos e falam abertamente sobre seus desafios nas ruas — mas não é só isso! Elas também demonstram muito bom humor durante o bate-papo. Inclusive, já cravei: se a Liyah Mitchell fosse brasileira, ela, com toda certeza, estaria no “Fofocalizando”, dividindo sofá com a Cariúcha.
uma música: Vapor de Cachoeira (2024), de Aquino
… Não existe nada mais verão do que isso! Misturando português, inglês e espanhol (surpreendentemente, sem parecer tosco), a música, que faz parte do segundo álbum da banda carioca formada por João Vazquez, Leandro Bessa e João Soto, é energética e divertida na dose certa. Acho até que o disco ficaria melhor se tivesse mais músicas como essa.
uma história em quadrinhos: Arlindo (2021), de Luiza de Souza
… Antes de virar livro, a webcomic era publicada apenas na internet, mas rapidamente se tornou um sucesso, conquistando milhares de leitores. Ambientada no Rio Grande do Norte, a história, que mistura referências culturais nacionais e dos anos 2000 — com direito a músicas de Sandy & Júnior e Pitty — foge de estrangeirismos (isso dá pra ver só pelo nome do protagonista) e retrata a autodescoberta de um jovem LGBTQIA+ nordestino.
2. Contrariando
‘Emilia Pérez’ tem todo os problemas, mas nenhum deles é não ser divertido
Quando alguma obra é muito criticada, eu tenho a tendência de gostar dela. Essa síndrome de ser “do contra” já virou até conversa de terapia. Até hoje, não cheguei a um consenso sobre por que ela se manifesta, mas sei que “Emilia Pérez” (2024) só reafirmou isso que sinto. Enquanto as pessoas massacram o musical (e elas têm seus motivos), devo admitir que eu fiquei fascinado por ele.
Não tem como falar do filme que está indicado na principal categoria do Oscar sem mencionar suas polêmicas. Elas vão desde o fato de o diretor Jacques Audiard não ter feito uma pesquisa prévia sobre a comunidade mexicana antes de produzi-lo até como a transexualidade é retratada no longa.
Existe muito um debate sobre se dá para separar uma obra de seu autor — eu, sinceramente, não tenho uma opinião formada sobre isso —, mas, quando fui assistir ao filme, assisti de braços abertos, sem julgamentos. Estava pronto para ser surpreendido, e fui! Fiquei entretido do início ao fim.
A história tem seus problemas. Acho que o maior deles é não se aprofundar de fato em nada e ser cheia de soluções simples, mas, sinceramente? Não me incomodou. Me lembrou até uma coisa novelesca. Geralmente, os folhetins têm muito dessas características e, vejam só, são um sucesso em nosso país!
Muito foi dito sobre ser um musical que não tem música boa, e eu concordo. Se comparado com “Wicked” (2024), que você sai da sala de cinema já dando play nas músicas no Spotify, em “Emilia Pérez” isso não se repete, mas, ainda assim, defendo que elas funcionam bem no longa-metragem.
No geral, acho que o segredo para quem ainda não assistiu ao filme é vê-lo despretensiosamente. Mesmo não sendo uma comédia, eu admito que caí na gargalhada várias vezes. Pra mim, já se tornou camp!
3. Escavando
Conheça o jogo que te permite participar do BBB
Assim como Inês Brasil, muitos brasileiros alimentam um sonho: entrar na casa mais vigiada do Brasil. Há um motivo para isso: o BBB é o programa mais popular do país. Pensando nas pessoas que alimentam o desejo de participar do Big Brother e não foram chamadas, Virgula Leal criou um jogo que simula o reality show.
Com influências de games como “The Sims” (2000) e “Tomodachi Life” (2013), o “Irmão Grande & Brasileiro” (2021) te deixa montar um elenco para o reality, podendo incluir você mesmo, amigos, celebridades ou personagens fictícios.
O próprio criador, em seus testes, se deparou com uma situação inusitada: Arkantos, personagem de “Age of Mythology” (2022), vivendo um relacionamento sério e turbulento com a estrela global Avril Lavigne. Quem poderia imaginar isso?
Apesar de ter criado um jogo com claras referências ao BBB, Leal disse, em entrevista, que nunca assistiu ao programa da TV Globo: “Não sou um espectador do ‘Big Brother Brasil’, nunca fui. Sou, no entanto, usuário do Twitter desde 2009, e sempre foi uma tradição esse website inteiro se tornar um pouco menos usável durante essa época tão especial do ano.”
O primeiro jogo da série “Irmão Grande & Brasileiro” está disponível gratuitamente, e você pode jogá-lo clicando aqui. No entanto, o seu sucessor, que conta com algumas ferramentas melhoradas, é pago e está disponível tanto para computadores quanto para celulares.
4. Desvendando
A melhor coisa que aconteceu com o ‘XCX World’ foi ele não ter sido lançado
Neste momento que escrevo isso, estou com “Come To My Party” (2016) estralando nos meus ouvidos. Eu considero essa uma das melhores músicas que já ouvi na minha vida. Curiosamente, ela nunca foi lançada oficialmente, assim como o “XCX World”. Esse era o álbum que Charli XCX pretendia lançar como sucessor do “Sucker” (2015). Nessa época, a britânica vivia o maior auge da sua carreira até então, com “Boom Clap” (2014) e “Fancy” (2014) na boca do povo — ela só voltaria a viver isso de novo dez anos depois, com o “Brat” (2024).
De forma bem resumida (caso queira se aprofundar, a Sucos produziu um vídeo no TikTok só sobre isso), nesse mesmo período, a Charli acabou entrando em conflito com sua gravadora por divergências criativas sobre o rumo que sua carreira deveria seguir. Enquanto a Atlantic Records queria que ela investisse em um pop mais comercial, a cantora flertava com uma cena mais eletrônica e experimental, trabalhando com nomes como A.G. Cook, Sophie e Finn Keane (ou Easyfun), que ajudaram na estruturação de um subgênero musical que viria a ser conhecido como hyperpop.
Essa época foi bem conturbada e, entre alguns arranca-rabos e mudanças no direcionamento do álbum solicitadas pela Atlantic, o projeto foi sendo adiado. Seu fim foi atestado quando todo o material que a britânica tinha produzido entre 2015 e 2017 vazou na internet.
Algumas músicas do disco chegaram a ser lançadas como singles soltos pela cantora, mas nunca tivemos acesso ao material completo de forma oficial. Com o passar dos anos, mais coisas foram vazando além das músicas. Tivemos acesso ao ensaio fotográfico do álbum e, mais tarde, ao manifesto que A.G. Cook tinha produzido com tudo que planejava para o “XCX World” — que, vale o adendo, foi um nome dado carinhosamente pelos fãs. A própria Charli já falou que ele inicialmente se chamaria apenas “XCX”.
Nesse manifesto, descobrimos coisas que só nos deram mais vontade ainda de ver esse projeto saindo do papel. O produtor citou que pretendia transformar “XCX” em uma “megamarca”. Dava para ver que existia muita ambição. Ele chegou a mencionar o desenvolvimento de um aplicativo chamado “XCXURSELF”, que seria uma mistura de Shazam com Snapchat, e a gravação de um documentário sobre a produção do disco.
Lembro que, na primeira vez que tive acesso a esse material há alguns anos, meu corpo borbulhava de adrenalina e um pouco de indignação, me perguntando como deixaram tudo isso morrer. E, de certa forma, esses sentimentos continuam presentes comigo até hoje, assim como com muitos fãs de Charli. Mas posso garantir que a melhor coisa que pode ter acontecido com o “XCX World” foi ele nunca ter sido lançado oficialmente.
Calma, eu explico! Hoje, todo mundo que teve contato com esse álbum guarda um espacinho no coração dedicado a ele. Tem quem diga que ele é a melhor coisa que Charli XCX já produziu. Acho que esse caso mostra como, mais uma vez, Freud estava certo.
Na minha visão, “XCX World” é o mais claro exemplo da teoria da Idealização e Projeção. Por só termos acesso a fragmentos do que o disco seria e nunca termos visto-o em sua forma completa, nos resta apenas idealizar sobre o que ele poderia ter sido e, ao fazer isso, projetamos um pouco de nós nele.
No meio da escassez de informações sobre o “XCX Wold”, acabamos criando, em nossa mente, uma versão do álbum moldada pelos nossos próprios gostos e expectativas, tornando-o quase perfeito.
Se tivesse sido lançado, o disco perderia todo esse seu misticismo, que é o que o faz único e intocável. Provavelmente, a essa altura do campeonato, estariam o chamando de datado — e, de fato, alguns sons não envelheceram tão bem. Mas, como isso nunca aconteceu, só nos resta curtir e agradecer por, pelo menos, termos acesso a esse projeto. E, se você fica com peso na consciência por ouvir um conteúdo vazado, não se preocupe, até a Charli já pediu uma vez o link do “XCX World” no Twitter e, vez ou outra, toca alguma música dele em seus shows.
5. Pra ficar de olho
Hoje à noite, vai ser lançada uma música inédita da banda Mamonas Assassinas, cujos integrantes faleceram em um trágico acidente aéreo em 1996. A faixa se chama "Olodum, Olodois" e você pode fazer o pré-save aqui.
Amanhã (31), segundo o que andam dizendo por aí, a Electronic Arts fará um relançamento dos clássicos jogos “The Sims” (2000) e “The Sims 2” (2004) em comemoração aos 25 anos da franquia.
Neste domingo (2), acontece a 67ª edição do Grammy Awards. A cerimônia começa a partir das 22h. Pra quem vai sua torcida?
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