#07 - GTA RP: Quando a vida virtual parece mais interessante
Conheça o jogo que torna as pessoas reféns de uma vida inexistente
Na newsletter de hoje:
>desvendando
Antes de inventarmos a roda, dominarmos técnicas de agricultura ou até mesmo desenvolvermos a habilidade da escrita, nós já contávamos histórias. Esse interesse pelo ser humano em criar e acompanhar narrativas, ao longo do tempo, foi adquirindo novas formas, desde as pinturas rupestres, passando pelos livros, teatro, cinema, até chegar na virada do século XX para o século XXI, quando um novo jeito de relatar situações foi descoberto: através dos jogos eletrônicos.
É nesse cenário que a série de jogos “Grand Theft Auto” (GTA) ganha popularidade. O game chama a atenção por possuir um mundo aberto inspirado em cidades existentes na vida real, onde o jogador pode fazer tudo o que quiser, inclusive coisas que não seriam possíveis na realidade, seja por conflitos morais ou imposições legislativas, como roubar carros, atropelar pessoas, entrar em um conflito direto com a polícia, entre muitas outras situações.
Mesmo com tantas possibilidades, o GTA ainda tinha suas limitações. A principal delas era por ser um jogo singleplayer (que só pode ser jogado por uma pessoa). Isso deixou de ser um empecilho quando a comunidade de fãs se juntou para criar uma modificação no código do game que tornava possível jogá-lo com outras pessoas.
É assim que, em 2006, dois anos após o lançamento do “Grand Theft Auto: San Andreas”, isso se torna possível através do “San Andreas: Multiplayer” (SAMP). Estar dentro de um espaço sem regras e acompanhado de tanta gente pode parecer libertador, mas isso abre margem para virar uma grande bagunça generalizada, que, com o tempo, cansa.
Daí surge uma alternativa para isso: o “Multi Theft Auto” (MTA), outro mod, mas esse, em específico, transformava o GTA em uma espécie de RPG, estilo de jogo no qual os jogadores têm liberdade para criar um personagem e agir como ele dentro do game. Você então deixa de ser você e passa a atuar! Anos depois, o MTA seria usado como referência para criar algo ainda maior: o “FiveM”, uma modificação lançada em 2015 para o quinto e mais vendido jogo da franquia GTA.
O GTA RP caiu mesmo no gosto do povo quando criadores de conteúdo passaram a gravar vídeos e fazer lives jogando-o. Um desses criadores é o Ramon Fernando, conhecido como “Ramonsphere”. Ele, que trabalhava como professor, ganhou fama na internet depois que começou a postar vídeos despretensiosamente no TikTok, interpretando Yukirin no GTA. A personagem, que tem como marca sua ingenuidade, é inspirada em uma integrante de um grupo de pop japonês chamado AKB48.
Apesar de considerar ser uma pessoa que sabe fazer o distanciamento entre quem é e o personagem que está interpretando, o streamer enfatiza que essa prática está cada vez menos comum no universo do GTA RP. Ele indica que, desde 2020, graças ao isolamento social promovido pela pandemia de Covid-19, se tornou mais recorrente players de roleplay recriarem no jogo quem são na vida real, ao invés de uma persona, e tratarem aquilo como se fosse sua própria vida.
“Muitas pessoas começaram a assumir que aquilo ali era a vida real delas e a enxergar o jogo como um escape de realidade.”
O que era entretenimento, então, se tornou algo perigoso. Em um levantamento feito com jogadores de GTA RP, cerca de 40% dos entrevistados disseram que passam mais de 30 horas semanais no jogo.
A psicóloga Marina Zanotta aponta que esse exagero no tempo dedicado ao roleplay é algo que pode trazer consequências negativas para o jogador. “As fugas da realidade podem ser saudáveis e surgir como algo protetivo, que vai te tirar de um ambiente de estresse e relaxar sua mente. No entanto, quando acontece de forma exagerada, elas podem ser maléficas para a saúde, distanciando muito a pessoa da realidade, empobrecendo as relações que ela tem em seu ciclo social e a qualidade de vida fora do jogo.”
No geral, o GTA RP é uma faca de dois gumes, porque, se souber usufruí-lo de forma moderada, ele pode ser bem divertido. O goiano Caio Lemos, 20, afirma que o jogo o ajuda a explorar sua criatividade. Foi graças a suas vivências no roleplay que ele aprendeu a mexer em softwares de design e edição de vídeo, que hoje utiliza para benefício pessoal.
Por sua vez, Deborah Santos, fundadora de “Beverly Hills RP” — um dos maiores servidores brasileiros da atualidade, com cerca de 500 jogadores ativos simultaneamente —, enxerga esse modo de jogo também como uma forma de abrir o leque social, possibilitando fazer amizades com outras pessoas, que podem ser de qualquer lugar do globo terrestre.
Servidores como o administrado pela Deborah são hospedados dentro do “FiveM”. Cada um deles tem suas regras, uma economia própria e um fator diferencial. “Beverly Hills” se destaca por oferecer um ambiente universitário e colegial, além de conter uma grande base de players LGBTQIA+. Contudo, segundo a paulistana, não é nada fácil manter um server no ar. Além de ter que estar sempre atualizando-o para continuar agradando os jogadores, há um gasto “relativamente caro” para sustentá-lo. Conforme o UOL, esse valor pode chegar até R$ 15 mil.
Ainda de acordo com a fundadora, hoje “Beverly Hills” se mantém financeiramente apenas através das vendas que eles fazem em seu site, onde vendem diversos itens que oferecem recompensas dentro do jogo. No catálogo, o mais barato custa R$ 15, e o de valor mais alto chega a quase mil reais.
Apesar dos problemas evidentes, com dezoito anos de atividade, o RP não só se mostrou um modo de jogo estável como também economicamente rentável. Tanto é que, no ano passado, a Rockstar Games, produtora do GTA, anunciou a compra da Cfx.re, companhia responsável pela criação do “FiveM”, dizendo que tinha enxergado “com entusiasmo a maneira criativa que a comunidade encontrou novas maneiras de expandir as possibilidades de seu próprio jogo”.
>escavando
Todo mundo tem algo que se envergonha de ter feito, mas e quando isso, que faz você se corroer de constrangimento, está disponível para qualquer um ver? Foi o que aconteceu com Pabllo Vittar!
O primeiro álbum de estúdio da drag, o “Vai Passar Mal” (2017), teve uma versão alternativa lançada com exclusividade pela Apple Music, que continha uma faixa bônus chamada “Pronto Pra Te Amar”. A música é bem diferente de tudo que Pabllo já fez: doce, romântica e com um quê de ingenuidade.
Eu, que sou fascinado por “Pronto Pra Te Amar”, sempre achei curioso o fato de não termos nenhuma performance de Vittar cantando-a. Tinha para mim que podia ser alguma cláusula do contrato com a Apple, mas o motivo era bem mais simples: a Pabllo detesta a letra da música porque acha que ela é “infantil demais”. Pelo menos foi isso que disse quando confrontada por um fã em uma live no TikTok — eu, pessoalmente, discordo, mas você pode tirar sua conclusão ouvindo a faixa:
Por mais triste e decepcionante que possa ser para os fãs, isso é bem comum na indústria musical. Estrelas como Ariana Grande, Miley Cyrus e Justin Bieber já admitiram que têm músicas das quais se arrependem profundamente de terem lançado.
>descubra
um livro: Vergonha dos pés (1996), de Fernanda Young
… Mesmo sendo um livro lançado há quase três décadas, ele tem uma linguagem bem contemporânea e, claro, muito bom humor — algo tão característico das obras de Young (1970-2019). Se você gosta da Rachel Sennott, Charli XCX e filmes de personagens femininas complexas, provavelmente vai curtir, tanto quanto eu!
uma álbum: Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer (2025), do BK
… Admito, com um pouco de vergonha, que essa foi a primeira vez que tive contato com algum material de BK, mas garanto que foi amor à primeira vista. Muito bem produzido e, em alguns momentos, pareceu que eu estava ouvindo um disco de Djavan — inclusive, uma das faixas conta com interpolação de Esquinas (1984).
uma novela: Beleza Fatal (2025), de Raphael Montes
… O streaming Max lançou, para o mundo, sua primeira investida no mercado das novelas. A produção, protagonizada por Camila Queiroz, escancara a obsessão do brasileiro pelas cirurgias plásticas. A primeira leva de cinco, dos quarenta capítulos previstos para irem ao ar, saiu nesta semana e segue uma fórmula bem arroz com feijão — e que dá certo! Lembra bastante as obras do saudoso Gilberto Braga (1945-2021).
Só tem uma coisa que me incomoda um pouquinho: o exagero nas atuações, às vezes flertando até com o teatro. A direção escolheu essa abordagem, possivelmente pensando em englobar o máximo de público possível, visto que a novela está disponível no catálogo de toda a América Latina.
>momento camisa branca
Eu voltei agindo como se nem tivesse ficado um ano sem postar nada, mas agora vou falar um pouco do futuro do Desvendando (ou Desvendando o Pop, como preferir). Parei porque não estava mais me identificando com aquele modelo de ficar postando apenas resenhas dos discos que andava ouvindo. Parecia algo rígido e criterioso, não combinava comigo.
Já tinha largado a ideia, mas, em uma decisão totalmente impulsiva, voltei! Agora, não vamos desvendar só a música pop, mas sim toda a cultura pop: jogos, livros, filmes, séries… Tudo! Não vou prometer nenhuma periodicidade. Talvez uma vez por semana, quinzenalmente, mensalmente (acho mais provável). Mas eu volto.
Agora é a hora que você responde este e-mail me contando o que achou dos meus pitacos. Ah, e não se esqueça de seguir o Desvendando (@desvendandopop) no Instagram!